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OPINIÃO: Os donos do poder

Abrindo os noticiosos da internet, leio que ministros do STF condicionam o fim do auxílio-moradia do Judiciário à concessão de aumento para os ministros do STF. "Tão logo concedido o reajuste, acabaremos com o auxílio", teriam dito. Exponho aqui meu estarrecimento e os motivos para tanto. O pagamento de auxílio-moradia a membros do Judiciário e do Ministério Público é inconstitucional e isso é óbvio. Está escrito na Constituição, de maneira tão clara que até um semianalfabeto seria capaz de interpretar sem risco de equívoco: membros de poder, incluídos aí juízes e promotores, serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer outra espécie remuneratória. Não existe outra interpretação possível.

O pagamento de auxílio-moradia é inconstitucional. E não venham dizer que o auxílio-moradia tem natureza indenizatória. Não tem. É pago indistintamente a todos, independentemente de comprovação de gastos excepcionais com moradia. Então, é remuneração, sim. Todo mundo sabe disso. Eu sei disso. A Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público, que entrou com ação no STF questionando esse abuso, sabe disso e, principalmente, os próprios ministros do STF também sabem disso. Mas, se é inconstitucional e todo mundo sabe, por que essa excrescência continua sendo paga? Bom, como já disse acima, a Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público comprou a briga e entrou com ação no STF questionando o benefício.

O STF, sabendo que não pode se esquivar de declarar o óbvio, a inconstitucionalidade do auxílio, simplesmente sentou em cima do processo e disse: "Só julgo isso aqui quando me derem aumento". E "voilà", eles conseguiram aumento. Vejam. Eles não precisam fazer greve. Eles não precisam fazer manifestação. Eles não passam pela humilhação de serem hostilizados pela sociedade, tachados de arruaceiros vagabundos etc. Simplesmente usam em benefício próprio um poder outorgado pela Constituição e que deveria ser usado apenas para fazer valer a própria Constituição. Agem, portanto, como se fossem os verdadeiros donos do poder. "Os Donos do Poder", aliás, é o título de uma obra clássica de Raymundo Faoro, gaúcho de Vacaria, radicado no Rio de Janeiro, que destrincha essa tradição brasileira de utilização das instituições estatais para benefício pessoal e mostra, de maneira detalhada, que ela remonta aos monarcas portugueses, que "não distinguiam o tesouro pessoal do patrimônio público". Mas não adianta botar a culpa nos portugueses.

Não somos mais colônia (pelo menos não de Portugal) desde 1822. Já se passou muito tempo e devíamos ter amadurecido. Com muito louvor, erigimos instituições republicanas em 1988, mas que foram ocupadas por mentalidades de província. Sou esperançoso, mas não otimista. Creio ser possível mudar, mas não acho que isso seja provável. Afinal, os donos do poder não querem deixar de ser os donos do poder.

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